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segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A Velha História



A Velha História

História de Adriano Siqueira


Ricardo esperava na calçada o sinal para atravessar a rua. Aquela terça-feira estava bem movimentada. A quantidade de carros aumentava a cada dia. Quanto mais modernos eram os veículos, menos velocidade podiam alcançar no trânsito. O argumento de que o governo e as fábricas se utilizavam para a troca do carro antigo por um mais moderno já não era a velocidade, e sim os benefícios para a natureza e o status que isso poderia trazer. Mas ele preferia andar.  Gostava de participar da cidade de uma forma direta, e não apenas assistindo de dentro de um carro o mundo passar.
Ele preferia usar camisas e calças sociais. Tinha os cabelos escuros e curtos, penteava para o lado. Era discreto e bem vestido.
Quando o sinal abriu, Ricardo escutou a conversa entre uma mãe e a filha pequena, próximas a ele. A garota segurava uma boneca carinhosamente.
– Mãe! Por que as bonecas não envelhecem?
– Filha! Se as bonecas envelhecessem como a gente, você não poderia mais brincar com ela. Poderia machucá-la! Quando ficamos mais velhos, ficamos mais frágeis.
A menina olhou para a boneca e comentou assustada:
– Nada de TV hoje... Vamos só brincar no quintal. Amanhã também!
– Mas amanhã você tem aula, não vai poder brincar com sua boneca.
– Mãe! Eu não queria envelhecer nunca.
Ricardo olha para os lados e vê uma padaria. Senta-se perto do balcão e pede um café e alguns pães de queijo. Bem ao seu lado senta-se um casal de velhinhos. Assustado, ele se levantou e foi para outro lado do balcão.
O atendente percebeu a estranha reação dele e acabou por perguntar: 
– Algo errado?
– Não! É que gosto de ficar mais à vontade.
Outro casal de velhos chegou e se sentou a seu lado. Suando, Ricardo se levantou novamente, e a senhora, percebendo que o rapaz não estava passando bem, segurou-lhe a mão, notando a pele fria.
– Está passando mal, meu jovem?
– Não! Estou bem, obrigado. Só preciso de um pouco de ar!
Assim que a senhora soltou sua mão, Ricardo saiu da padaria quase em pânico. Nunca conseguira vencer o medo que sentia quando alguém idoso se aproximava. Aquele medo era sufocante para ele, e a lembrança de sua infância surgia em sua mente. Com a morte prematura dos seus pais, fora morar com a avó, que trabalhava em um asilo. Todos os dias eles ficavam lá. Havia idosos que o tocavam de forma carinhosa, mas ele achava aquilo assustador. Riam dele.
Um dia Ricardo caiu no meio do quarto onde estava, em companhia de cinco idosos. Torcera a perna e não conseguira se erguer... Os idosos se levantaram das camas e vieram em sua direção. Pediu para se afastarem, mas eles o tocaram... O pânico o dominou e ele gritou.
– Não me toquem! Afastem-se de mim!
Eles o seguraram e, não suportando mais o pavor, desmaiou.
Desde aquele dia, o atendente percebeu sua estranha reação, o contato com pessoas idosas lhe era muito penoso. Quase nunca se aproximava ou falava com eles. Lembrou-se de uma vez em que estivera namorando uma linda garota da escola e, quando fora conhecer seus pais, descobrira que eles eram bem mais velhos do que imaginara. O pai dela percebeu que ele se afastou quando estendeu a mão para cumprimentá-los e não quis receber o beijo da mãe dela. Isso fez com que o namoro acabasse.
Ricardo trabalhava numa agência de viagens, e queria muito viajar para um local que a empresa divulgava. Era uma ilha paradisíaca; muitos jovens iam para lá nas férias.  Seu desejo era tanto que acabou por entrar num acordo, trocando o valor que receberia pelas férias e pelo 13o salário dos últimos dois anos pelo tão sonhado pacote de viagens.
Na sala de atendimento ao público, Ricardo arrumava a sua mesa quando uma senhora idosa sentou-se à sua frente. Levou um susto. Ela sorriu e disse ter dúvidas com relação ao pacote turístico que comprara, pedindo sua ajuda.
Ricardo começou a ter calafrios e a suar. A senhora pegou sua mão, deixando-o mais nervoso, a ponto de se levantar rapidamente dizendo que ia ao banheiro. Pediu ajuda para uma amiga atendente, enquanto corria e fechava a porta do sanitário.
Enquanto lavava as mãos, praguejava por aquilo acontecer bem no último dia. Era imperdoável. Quando olhou suas mãos, viu-as enrugadas. Ficou desesperado. A pele de seu braço também estava envelhecida. Começou a soluçar. De repente alguém pôs a mão sobre seu ombro. Ricardo quase desmaiou de susto quando viu tratar-se de um dos funcionários, perguntando-lhe se estava tudo bem.
Olhou as mãos: as rugas haviam sumido.
Ricardo pegou uma toalha e passou sobre o rosto.
–Tinha de ser tudo hoje – sussurrou.
 Por fim, ele se recompôs e voltou para o trabalho.
Caminhou vagarosamente até a sua cadeira, esperando que a mulher idosa já tivesse partido. Quando se sentou, olhou para os lados. Pegou uma caneta e rabiscou calmamente o papel. De repente a mulher idosa reapareceu e segurou seu braço. Ele luta quase desesperadamente para libertar-se, mas foi inútil. Ela estava determinada a ficar ali.
– É só mais uma dúvida! Só isso.
– Fale, minha senhora! Por favor, diga logo o que quer.
– Qual é o numero da minha poltrona no avião? Eu não sei ver aqui!
– É número oito, senhora. Oito!
– Obrigada, querido – e finalmente ela foi embora.
O chefe do setor entregou a passagem para Ricardo. Ele olhou o envelope e guardou em seu bolso. Não queria abri-lo. Com os constantes problemas daquele dia, imaginou-se “sorteado” a sentar na poltrona do avião ao lado daquela senhora.
Naquela noite, Ricardo rezou para todos os deuses, até que finalmente adormeceu. Ele escutou alguém falando bem baixinho. Estava ouvindo sussurros que não conseguia identificar, a voz ficava cada vez mais alta...  finalmente conseguiu entender o que se passava...
– Está quietinho aqui. Posso abraçar mais forte? Só abraçar... Só mais um pouco... Mais perto. Mais... Você está quente.
Ricardo começa a tremer... Ele sentia seu corpo ser agarrado por alguém...
Alguém que ele não queria que fosse verdade. Um pesadelo. Tentava acordar, mas ainda ouvia a mesma voz:
– Não fica assim encolhido. Abraça-me... Abraça...
Ele se levantou e acendeu a luz. Não havia nada lá. Apenas sua maldita imaginação. Quando foi apagar a luz, tocou no interruptor, mas uma mão o deteve. A mulher idosa perguntava:
– Por que se levantou? Está frio.
Ricardo acordou suando. Correu para o banheiro, ligou o chuveiro frio e ficou ali, até amanhecer.
Um táxi levou Ricardo até o aeroporto. Ele esperou, preocupado com seu voo. Era possível que o avião tivesse algum atraso para decolar. Chovia muito, e ele sabia que as condições do tempo não eram favoráveis para voar. Pista molhada era um dos maiores problemas para um aeroporto. Bastava esperar na fila para conferir a passagem. Foi quando viu o número da sua poltrona: era exatamente ao lado daquela senhora! Preocupou-se. Afinal, seria uma hora e meia de viagem ao lado dela... De repente, ouviu uma voz conhecida.
– Que bom encontrá-lo por aqui!
– Minha senhora... Eu...
– Não precisa se explicar, rapaz. Eu estava mesmo precisando de alguém para conversar. É muita sorte estar aqui com você.
– Sim! Eu imagino que seja, senhora. Por favor, preciso ir ao banheiro.
– Não se preocupe, eu guardo o seu lugar na fila.
Ricardo correu para o banheiro, tremendo muito. Passou água no rosto. Ele não acreditava... Era uma viagem para estar ao lado de gente jovem.
– Como ela pode fazer isso? Dois anos de férias jogado pela janela. E ainda tenho de aguentá-la no avião – pensava.
Ele estava enfurecido. Sabia que não havia outro jeito. Tinha de ir na companhia dela. Ao voltar para a fila, a senhora o aguardava sorridente.
– Pensei que iria me abandonar.
– Eu queria andar um pouco. Não gosto de ficar parado.
– Ah! Meu jovem! Sei bem como é... Ter medo de avião. Relaxe. Eu estarei ao seu lado. Já fiz esta viagem muitas vezes.
– Por que a senhora quer ir para um lugar assim? Quero dizer... só tem gente jovem por lá.
– Dentro da gente somos bem jovens. Nosso espírito sempre será jovem. Quando você tiver a minha idade...
– Não quero ter a sua idade! Nunca!
Ricardo se afastou novamente da fila e foi sentar-se por alguns instantes. Pôs a mão na cabeça e, logo em seguida, voltou para a fila.
– Senhora, me desculpe. É que estou ansioso para chegar nesta ilha.
– O que tanto a ilha significa para você?
– O nome da ilha... Ilha di Pordana, próxima da ilha de Maracá, no Amapá. Uma ilha descoberta há pouco tempo. Perto da praia Boca do Inferno, uma praia de difícil acesso. Dizem que é um paraíso. Tem muita gente que adora se aventurar por lá. Eu quero ter alguns dias, sem preocupações. Estar ao lado de gente com a minha idade, fazendo tudo que é divertido. Sempre vi muitas pessoas jovens nas fotos da ilha. Todos rindo e se divertindo. Lá é um paraíso.
– Sim! É mesmo um lugar incrível. Mas não é bem um paraíso... Você vai ver quando chegar lá.
Ricardo pensou que, além de viajar com ela, ainda teria de aguentar seu pessimismo. 
Logo depois da fila, eles aguardaram mais uma hora, até que finalmente veio o aviso de que o embarque iria começar.
– Eu me esqueci de me apresentar... Meu nome é Poliana, e o seu?
– Ricardo.
– Ricardo coração de Leão – disse Poliana, com o punho fechado, num tom de coragem.
– Não... É Ricardo Valêncio.
– Todo Ricardo é valente.
Poliana disse isso segurando a mão dele, mas ele a retirou e pediu:
– Senhora, por favor, eu não me sinto bem quando me tocam.
Ricardo começou a prestar atenção aos passageiros que entravam no avião. Percebeu que havia algo errado. Todos eram pessoas idosas. Ricardo começou a suar frio. E a senhora Poliana comentou:
– Tudo bem, rapaz. Não farei isso novamente. Você parece ter um pouco de aversão a idosos...
– Eu não disse isso!
– Mas dá para perceber. Talvez algum trauma de infância.
– É... eu tive alguns. Pode me dar alguns minutos?
– Claro, Ricardo, fique à vontade.
Ele estava preocupado. Levantou-se e correu em direção à comissária para perguntar-lhe o que estava acontecendo.
– Comissária, deve haver algum engano aqui. Estou indo para a ilha di Pordana! Uma ilha frequentada por jovens, e só estou vendo idosos dentro deste avião. Poderia me dizer o que está acontecendo?
– Não existe nada de errado, senhor Ricardo. Os nomes estão corretos. E, realmente, nosso destino é a ilha di Pordana.
Quando Ricardo ia contestar, entrou na aeronave uma adolescente, loira, cabelos lisos, corpo de modelo. Ele respirou aliviado e tentou se explicar:
– Isso é uma loucura! Talvez haja algum SPA para os idosos por lá, e eu não saiba. Tudo bem, então! Se estamos indo para a ilha, perfeito.
Ricardo voltou para seu lugar, e a senhora Poliana perguntou:
– Posso lhe contar uma história?
– Acho que não sou muito bom de ouvir histórias.
– Mas essa é bem curta, e pode ser que aprecie.
– Está bem! Vou ouvir. Não tenho nada pra fazer mesmo.
– A história se chama... A águia – e ela iniciou sua narrativa.

– Lucília era uma garota que gostava muito de ficar na casa de um senhor, um pintor chamado Lantis. Ele fazia quadros magníficos, mas só pintava animais. Suas pinturas eram tão perfeitas que pareciam vivas. A garota gostava de vê-lo pintar, sentada em uma cadeira, olhando, curiosa... Até descobrir qual animal ele estava pintando.
Certa vez, ele olhou para a ela e disse, bem baixinho:
– Este vai ser meu último quadro... Será o melhor de todos!
Os olhos da garota se arregalaram:
– Como? – disse ela – O senhor não pode me abandonar... Seus desenhos são os melhores do mundo!
– Não há outro jeito. Preciso partir.
E, pela primeira vez, ele não a deixou ver qual o desenho fazia. Cobriu o quadro, aproximou-se dela e disse:
– Amanhã você virá aqui e pegará o quadro, pois será o meu presente para você! Já sou velho demais para ficar com você, Lucília. Mas este presente durará eternamente.
Deu-lhe um grande abraço, e ela partiu chorando, sem entender por que o pintor iria embora. Afinal, todos envelhecemos, e ela podia aguentar isso.
No dia seguinte, alguns padres entraram na casa do pintor.
Revistaram tudo, mas não acharam sinal do velho artista. Apenas o quadro, coberto por um retalho de pano, endereçado à garota.
– Aquele bruxo de nome Lantis sumiu, e ainda caçoou de nós deixando sua última obra de arte! Queimem isso!
Naquele momento, a garota chegou, viu a cena e correu para o quadro:
– Não, padre, por favor! Ele me deu esse quadro!
– Então leve-o daqui antes que eu mande surrá-la!
Fazendo exatamente o que o padre havia lhe pedido, ela fugiu daquele lugar, levando consigo o quadro misterioso.
No meio do caminho, com a curiosidade tomando conta de sua vontade, ela rasgou o retalho que embrulhava a tela...
Era a pintura de uma águia! Uma linda e magnífica águia. Os olhos do pássaro brilhavam de tal maneira que a garota se assustou, deixando o quadro cair ao chão...
Aos poucos, a águia saiu da pintura.
– Lantis? Lantis, é você? – perguntou, em prantos, a garota.
– Sim! – respondeu-lhe a águia – Estas serão minhas últimas palavras, Lucília... Eu a amo! Nunca me esquecerei de você!
Então, olhando para o céu azul, a águia partiu.

– História interessante, senhora Poliana. Pelo menos ele não quis enfrentar a sua velhice...
– Somos todos humanos. Um dia todo mundo terá de passar por essa fase. Faz parte da vida. Verá que é tão divertido quanto ser jovem.
– Acho isso muito difícil. Nunca me imaginei velho. Sempre achei que morreria antes dessa idade chegar.
– Mas quantos anos pensa que tem?
– Tenho 21.
A senhora Poliana olhou-o bem e disse:
– Sabe, Ricardo, algumas pessoas não aproveitam todas as fases da vida. Ficam sempre pensando no passado. Isso as impede de ver e aproveitar o futuro. Acabam em casa, olhando pela janela. Enquanto a vida está dentro deles, trancada.
Ricardo olhou para a janela. Tentou imaginar-se velho. Ela tinha razão. Ele se sentiria solitário. Esperando a fase passar, ou pensando no passado.
Alguém tocou seu ombro. Era a adolescente que vira entrar no avião. Usava um espelho para retocar a maquiagem. Sorriu e perguntou:
– Gostaria de ver seu reflexo?
Ricardo olhou para o espelho e viu seu rosto velho e enrugado, parecendo ter 80 anos. Gritou, desesperado.
Poliana e a comissária do avião socorreram-no. Ele se levantou e olhou para os lados; viu a adolescente sentada em uma poltrona do fundo do avião. Sentou-se, aliviado. Sua mente cansada estava imaginando coisas.

Quando o avião pousou na Ilha di Pordana, o carro do hotel já estava esperando. Ricardo viu pelas ruas várias moças e rapazes fazendo Cooper e divertindo-se na beira da praia. A ilha era enorme. Algumas garotas acenavam para ele, que finalmente sorriu. O esforço valera a pena! Tinha vontade de sair do carro e conhecer as várias garotas que vislumbrara. Ele sabia que agora iria realmente aproveitar tudo.
Os apartamentos em que ele e Poliana ficariam hospedados eram no mesmo andar. Mas nem se importava. Era a hora de aproveitar a ilha. A velha senhora lhe acenou, ao entrar no apartamento, dizendo:
– Vamos jantar juntos?
– Vou conhecer a ilha! Certamente não estarei aqui à noite.
– Divirta-se então, Ricardo. – Disse ela, sorrindo.
Ricardo fechou a porta e gritou de felicidade. Tanto que não escutou o barulho que fez o corpo de Poliana, ao cair no chão, alertando a camareira. A moça buscou ajuda com urgência.
Os médicos apareceram logo e a levaram para o hospital mais próximo.
Duas horas depois, Ricardo estava pronto para sair. Levou sua máquina fotográfica e algum dinheiro. A noite seria longa. As ruas eram sempre movimentadas, todos sorriam e se divertiam.
Algumas garotas o olharam e sorriram. Foi até elas e se apresentou. Uma delas tomou seu braço e o levou para um bar próximo. Durante a conversa, ele falou de sua vida aborrecida e de como estava feliz ali. Não acreditava quando todos riam das suas piadas.
Antes, ninguém ria das suas brincadeiras, mas agora parecia que tudo o que falava era encarado com alegria e interesse. As garotas o olhavam com adoração, como se fosse um ídolo para elas. Um real paraíso, ele pensava.
Então uma mulher entrou no bar.
Era a mulher mais linda que Ricardo já vira. Olhos azuis brilhantes, pele clara, cabelos bem escuros, Tinha um metro e oitenta. Lábios cheios, um vestido azul que escondia apenas uma das pernas. Pernas fortes, ele pensava.
Ela o olhou e sorriu. Caminhou até uma mesa e se sentou, sozinha. Pediu uma bebida para o garçom e apontou para Ricardo. Em pouco tempo, o rapaz trouxe o melhor vinho da casa para ele, dizendo ser um presente.
Ricardo deu um sorriso enorme para ela e agradeceu o vinho.
Pediu licença às garotas da sua mesa, e elas, incrivelmente, aceitaram como se fosse natural deixá-lo fazer o que queria.
– Olá! Meu nome é Ricardo. Obrigado pelo vinho.
– Não precisa agradecer. Gostaria de me fazer companhia?
– Seria ótimo. Uma mulher como você, sozinha...
Sentou-se e olhou para o belo corpo ao seu lado.
– Gosto de sair sozinha. Gosto de fazer novas amizades.
Ele estava fascinado com sua beleza. Chegando mais perto, ela colocou o braço sobre seus ombros e murmurou:
– Gostaria de me beijar?
Ricardo ficou espantado com a pergunta.
– Vamos! Não se preocupe: não sou nenhuma vampira.
– Mas eu nem sei seu nome...
– Lopina.
Beijou Ricardo na boca, um beijo que durou muito tempo. Ele tomou sua mão e perguntou:
– Importa-se se formos andar um pouco? Não conheço nada por aqui.
– Eu vou levar você a um lugar agradável.
Caminharam juntos pela rua, agora deserta.
– Sabe, Lopina? Não imaginei que esta ilha fosse tão incrível!
– Há muitas coisas boas para se fazer aqui.
Entraram em um parque de diversão onde tudo parecia funcionar, mas sem ninguém lá dentro.
– Parece que isto está aqui só para a gente...
– Existem vários parques por perto. Assim eles não ficam lotados de gente.
– Mas não tem ninguém! Quem liga os brinquedos?
– Nós mesmos podemos fazer isso.
Ela acionou o mecanismo de um carrossel e subiu em um dos cavalos.
– Venha!  – convidou.
Ricardo subiu e foi até ela. Beijou-a.
– Parece um sonho – disse.
– Talvez você merecesse este sonho, e agora o conquistou.
– Eu sonhava mesmo com um lugar assim. Uma mulher linda como você.
– Não diga isso, fico encabulada. Só posso agradecer.
– Estou apaixonado por você, Lopina.
– Então demonstre. Não vai ficar a noite toda só me olhando...
Ricardo sorriu e a abraçou, enquanto o carrossel girava bem devagar. Ficaram juntos por mais duas horas. Conversaram sobre tudo. Lopina estava muito interessada nele, que por sua vez queria saber tudo sobre ela. Era como se fossem amigos há muito tempo.
– Eu conheci uma senhora... Poliana. Veio comigo no avião. Sabe, eu não tenho muito contato com gente idosa. Mas ela é uma pessoa bastante curiosa de se conhecer. Contou-me até uma história no avião. Achei agradável.
Lopina o abraçou e disse:
– Eu aposto que você gosta dela.
– Se fosse uns 40 anos mais nova... Talvez.
– Agora tenho de ir – ela disse, num sorriso. – Amanhã ainda estaremos juntos e quero te mostrar toda a Ilha. A sua presença me deixa tão segura...
– Será um prazer acompanhá-la. Eu estou mesmo apaixonado por você.
– Não vamos perder tempo, então! Vamos aproveitar tudo que merecemos. Afinal, é o seu sonho. E está sendo o meu também!
Trocaram mais um beijo, e ela partiu. Refletindo em como estava feliz em conhecer uma mulher tão incrível, Ricardo correu para seu hotel, com ímpetos de pular e gritar de felicidade.
Na manhã seguinte, acordou ouvindo gritos alegres, como se estivesse acontecendo uma festa. Abriu a janela e viu muitos jovens se divertindo, jogando água uns nos outros. Brincavam numa fonte que havia na frente do hotel.
Quando desceu para tomar café, passou pelo apartamento de Poliana e resolveu visitá-la. Tocou a campainha e, quando a porta se abriu, levou um susto.
– Lopina? O que está fazendo no apartamento da senhora Poliana?
Lopina afastou-se por alguns segundos, pôs a mão na cabeça e olhou, meio surpresa, para ele. Respirou fundo e respondeu.
– Ela foi internada ontem. Eu vim correndo para cá. Não sabia em que apartamento você estava, por isso não o avisei. Vou ficar aqui até ela melhorar.
– Que pena! Espero que ela melhore. Mas que bom que está perto de mim agora.
Lopina sorriu e o abraçou.
– Preciso tanto de você, meu amor! Não me deixe nunca, entendeu? Nunca!
– Do que está falando, Lopina? Eu jamais a deixaria! Estou apaixonado por você.
– Eu me sinto tão segura com você.
– Bem, eu vou lá embaixo usar o telefone e ligar para o trabalho. Só para avisar que cheguei e estou bem; já volto para cá. Tudo bem?
Lopina concordou e entrou no apartamento.
Ricardo correu até a portaria. Pega o telefone e falou com uma amiga, Lúcia, que trabalhava na empresa.
– Onde você está, Ricardo? Estamos procurando você desde ontem! 
– Como assim? Eu estou na ilha di Pordana! Todo mundo sabia que eu sairia de férias! 
– Férias? Ricardo, você se aposentou ontem! Está em tratamento médico, ia para o hospital, ontem mesmo. Você recebeu a carta! 
– Não era carta, era uma passagem. Para esta ilha! Do que está falando?
Enquanto Ricardo conversava ao telefone, alguém bateu em seu ombro. Era a adolescente do avião. Ela sorria, com o espelho nas mãos. Ricardo sentiu-se arrepiar por inteiro. Enquanto isso, escutava Lúcia gritando ao telefone.
– Você teve um ataque, Ricardo! A empresa de viagens faliu. Você não estava bem, começou a agir como um adolescente. Os sócios da empresa decidiram manter você fazendo um trabalho leve, até arrumarem seu tratamento de saúde.
Ricardo não estava entendendo. A Adolescente mostrou mais uma vez o espelho, e ele fechou os olhos... mas... aos poucos perdeu o medo e viu seu reflexo. Sua imagem era de um adolescente de 20 anos. Respirou fundo, aliviado, e começou a rir, enquanto a adolescente se apresentou.
– Olá, eu me chamo Pandora. Você está aqui sozinho?
Ricardo voltou ao telefone e disse a Lúcia:
– Está tudo bem comigo. Eu estou feliz.
Sem esperar resposta, desligou o telefone e respondeu à garota:
– Eu não estou sozinho Estou com a Lopina.
– Lopina? Não conheço!
– Acho que ela é a filha da Poliana...
Pandora riu.
– Poliana não tem filhos.
Ricardo olhou para as escadas e disparou a correr para o apartamento vizinho ao seu. Entrou e viu a velha senhora no chão. Desmaiada.
– Poliana? Acorde!
Ela abriu os olhos e, ao ver Ricardo, sorriu e disse com a voz fraca:
– Ricardo! Não me deixe. Você prometeu!
Ricardo a abraçou. Seus olhos começaram a lacrimejar.
– Nunca! Eu nunca a deixarei...
Deixou de abraçá-la por alguns instantes e viu que, agora, ela havia se transformado em Lopina. Passou a mão por seus cabelos e disse:
– Nunca vou deixá-la... Minha jovem Poliana.

Adriano Siqueira



Adriano Siqueira é paulista, diagramador e, em seus 49 anos de vida, colecionou muitos livros, HQs, Filmes, CDs e tudo mais que existe sobre vampiros.
Participou da criação do grupo de novos escritores “Tinta Rubra”, primeiro grupo de escritores de vampiros da internet, do qual fazem parte muitos talentos. Em 2001, lançou o primeiro zine de contos de vampiros e terror do Brasil. O zine Adorável Noite divulga a arte dos novos escritores e, até hoje, é distribuído nas vampergrounds paulistas e eventos de ficção científica.
Foram muitas adoráveis noites, distribuindo os fanzines. Sua participação nestes eventos lhe trouxe mais cultura e conhecimento sobre o tema, seduzindo e incentivando jovens escritores.
Hoje, além de escrever e ter um blog de muito sucesso “Contos de Vampiros e Terror”, Adriano dá palestras sobre vampiros nos quadrinhos e na ficção, participa de exposições e, atualmente, produz curta-metragens e radionovelas sobre vampiros.
O escritor também participou de muitos livros como autor convidado e Tem dois livros solos: Adorável Noite (2011) e A Maldição do Cavaleiro (2012)



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