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sábado, 2 de maio de 2020

A Lenda do Mesmo

Arte: Adriano Siqueira




A LENDA DO MESMO
Por Lord Dragon

Era o fim do expediente. Papéis assinados, planilhas resolvidas, pendências para até o final da semana, contas a pagar. O funcionário estava fazendo horas extras a fim de
pagar as faltas cometidas durante o mês, e agora preparava-se para ir embora e colocar os pés na cama.
Abriu o seu armário e pegou suas coisas pra tomar o elevador. Na placa, como de costume o seguinte aviso: “Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar”. Pressionou o botão para descer. Aguardou a vinda do elevador, enquanto isso ajustou o seu crachá. Estranhou o fato de demorar tanto, pois, haviam poucos que trabalhavam naquele momento.
Chegou o elevador e as portas se abriram. Um espelho e uma placa logo ao lado o intrigaram.
“Nesse momento o mesmo se encontra”. Gargalhou diante da frase hilária, depois apertou o botão do térreo. Os números iam decrescente, até que o elevador parou e no lugar do oitavo andar, surgiu um “E”. Imaginou se tratar de um erro, deu uma pancada no
mostrador e o número oito surgiu novamente. Tentando se distrair enquanto o elevador estava travado foi até a placa e notou uma diferença na mensagem.
“O mesmo está parado”. Considerou se tratar de uma placa com tecnologia
especial, que mudaria os dizeres para não apavorar os passageiros que ficassem trancafiados.
Curioso, observou a placa de tempos em tempos, uma nova notícia surgiu: “O mesmo está aqui”. Tais frases eram estranhas e sempre referenciavam “o mesmo”.
Obviamente se tratava do elevador, a maneira de escrever era incorreta, por conta disso, surgia a famosa placa que já virou até meme. De fato, o elevador parado dava nos nervos, a piada começou a perder a graça, usou seu celular e discou alguns números.
Sinal estava alto, mesmo dentro do elevador, considerou oportuno. A bateria se encontrava em 88%, uma sorte maior. Ligou para diversas pessoas, e não obteve sucesso em nenhuma das ligações. Quando estava pra desistir, alguém resolveu ligar pra
ele. Número era 88888888, inusitado, mas, deixou pra lá a estranheza, aceitaria ajuda de qualquer um. — Alô? - ninguém respondeu. Insistiu várias vezes, poderia ser falha de sinal por
conta do elevador. Enfim, ouviu alguém. — O mesmo está aqui. - uma voz na secretária eletrônica. Certeza de que se tratava de um trote.
Desligou e tentou dar mais algumas pancadas no mostrador e nos botões, como se fosse adiantar em algo. Gritou e se desesperou. Precisava sair dali de qualquer jeito.
Voltou-se à placa que dizia: “Atenda o celular.”
Tão logo surgiu a mensagem, apareceu no visor do celular o mesmo número de
antes. Trêmulo atendeu-o.
— Siga atentamente as instruções e sairá vivo.
— Quem está falando? - em vez de uma resposta, a ligação foi encerrada.
Seguiu de volta à placa que parecia o único meio para se ver livre dessa
chateação. “Responda as charadas do telefone.” Novamente, o número que agora o enervava. — Olha aqui. - gritava com o estranho - Cansei da brincadeira. Pode parar com isso e me tirar daqui.

— Só acabará quando terminar. Aqui está a charada: Sempre estive aqui e jamais estive aqui, quem sou eu?
— Sei lá… O mesmo? — Segunda pergunta. Como se pode matar um homem mais rapidamente, com
espetos, fogo, água ou veneno?
— Que pergunta é essa?
— Resposta errada. Tenha um bom dia. -desligou.
O elevador despencou do nada, numa velocidade em que os números diminuíam rápido e inevitável ao destino. Porém, em vez de sentir o baque e a morte eminente, o elevador inesperadamente passou do zero e estava contando em negativo, quando parou.
E uma nova mensagem ao lado do espelho.
“Você tem duas escolhas : Viver ou Morrer”. Aquelas mensagens sinistras
continuavam. Devia ser um trote ridículo de alguém do trabalho. O celular tocou outra vez. — O elevador abrirá agora, vá para o corredor adiante. - o funcionário fez como
mandado.
Diante dele haviam cinco portas, duas de cada lado e uma logo adiante.
— Existem quatro portas. Escolha entre elas.
— Deve haver um engano, eu vejo cinco portas. — Não há a quinta porta. Faça como informado. - o sujeito não parecia muito humorado, o empregado resolveu ir na dele e escolheu a primeira porta do lado direito. A
maçaneta abriu sem tocar nela. Seguiu por um corredor em penumbra. Ligou o interruptor e caminhou adiante. No final encontrou uma lata de atum, isqueiro, uma caixa de agulhas,
uma garrafa d'água e veneno pra ratos. — Pegue apenas um objeto. Ele será útil adiante. - fez conforme exigido. Se era
apenas uma brincadeira, era sem graça. Tomou de um isqueiro e aguardou novas instruções. — Aquilo que escolheu é e não é. Servirá pra te salvar e pra te punir. Certeza de que prosseguirá com esse objeto?
— Já estou cansado. Esse trote foi longe demais. — O mesmo está aqui. Ele portará o mesmo instrumento escolhido. - pareceu se referir ao "mesmo" como uma pessoa.
— Como reconhecerei “o mesmo”?
— Ele virá como sua imagem. Portando o objeto que usará para matá-lo.
— Só quero ir embora. — Ele também. Siga as instruções e sobreviverá. Caso contrário… Sem mais interrupções, volte para o elevador e siga em frente.
— Na quinta porta?
— Não existe quinta porta.
De volta ao corredor o elevador estava à frente. Estranho que antes se encontrava
na posição diferente.
— Quem é você? — Eu não sou. Aquele que é, está vindo. - sem delongas, tratou de sair dali com o isqueiro em mãos. No elevador tentou ir para o térreo. Verificou a mensagem ao lado do
espelho. "O tempo está acabando". — Nesse momento use o isqueiro e espere o elevador subir. - o empregado sentia-
se num universo à parte, mas, decidiu viver e sairia dali pra nunca mais pisar em elevadores.


— Vá rápido para a quinta porta que encontrou antes. — Pensei que não existisse. - nada respondeu. No visor, o tempo da ligação não corria. Era bizarro demais. - Com quem estou falando? — Mesmo. - a voz soou cadavérica e o celular esquentou de uma forma nunca vista antes, queimando sua mão, sendo largado no chão e derretendo logo em seguida.
Apertou violentamente o botão do térreo e rezou para que voltasse ao mesmo corredor. Pra sua sorte retornou aonde existiam as quatro portas, e para seu espanto, a
quinta sumiu, não existia mais. Foi aí que notou algo terrível. Seja lá quem for, quem ligou pra ele deve ter sido o tal do “mesmo”. Vai saber se a quinta porta seria na verdade a saída desse inferno. Ouviu rangeres de correntes e quando olhou para o elevador, já bem
à distância encontrou uma réplica perfeita de si mesmo.
Paralisado diante da aparição que vinha andando calmamente e em suas mãos o isqueiro que estava nas mãos do empregado. Sua intenção assassina era bem visível.
Tentando fugir do clone ou seja lá o que for, correu para onde deveria ter a quinta porta e nada encontrou. Dirigiu-se para a segunda porta do lado direito e correu até não poder mais em um longo e estreito corredor que acendeu de imediato uma imagem vinda do
isqueiro do clone logo adiante.
— Por que? - disse chorando. — Mesmo. - apenas respondeu dessa forma, usou o isqueiro e dirigiu as chamas para o próprio corpo. De repente o funcionário sentiu-se pegando fogo à medida que o mesmo se incendiava. A sensação era horrível, procurou escapar retornando por onde veio e ao abrir a porta deparou-se com ele mesmo fugindo do monstro clone. Cada vez mais confuso, encontrou a quinta porta. Tentou escapar enquanto as chamas ainda não haviam se alastrado em si. Atrás da porta vinha uma luz fantasmagórica. Sem hesitação
saltou para a luz e…
De volta ao elevador, suas roupas chamuscadas, diante de si quando viu se tratar de um espelho. E na placa “O mesmo está aqui”. Desesperado, socou o espelho, os cacos tingiam o piso de vidro, as mãos ficaram ensanguentadas e em seguida passou a bater em si, como se lutasse com uma espécie de fantasma. Esmurrou-se até a
inconsciência. Ao acordar, imaginou tratar-se de um mero pesadelo. O espelho inteiro, na placa havia apenas a mesma mensagem a respeito de verificar se o mesmo encontrava-se parado no lugar, algo comum. O elevador agora saía do oitavo andar e prosseguia até o térreo. As portas se abrem e um cenário pitoresco se desvela. Um corredor cheio de
elevadores. De cada um deles aparece uma cópia sua e todos dizem apenas uma coisa que foi capaz de gelar seu corpo em instantes, seu coração parar de imediato e tombar ao chão: “Mesmo”.

Por : Lord Dragon
Criado em 13/10/2019

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