Eu vi
por Adriano Siqueira
Atrasado de novo?
Não pensei duas vezes. Peguei o primeiro ônibus que vi.
Essa é a vantagem de morar perto da avenida. Tem muitos ônibus e este era um que passava apenas há poucas quadras de onde eu trabalhava. Já estava bom demais.
Enquanto seguia meu caminho no ônibus eu pensava na próxima desculpa por chegar atrasado.
Neste momento eu vi um homem em pé e agitado.
- Eu falei, eu falei.
Ele dizia olhando para o chão e balançando a cabeça em sinal de negação.
- Eu falei, Morreu!
Eu fiquei intrigado com ele, mas o pessoal parecia não estar dando muita atenção. E ele disse:
- Eu falei, morreu! Tá morto, Eu disse, morreu mesmo eu vi. Eu sei.
Ele ficava apontando para o chão e agora se agitava mais, colocando a mão na cabeça e chamou algumas pessoas que estava sentado. Incrível! Ninguém ligava para o que ele falava.
- O caixão tá aqui de prova. Morreu morreu Eu falei Morreu.
Eu já não estava agüentando mais. Levantei e falei com ele.
Amigo que está acontencendo.
- Ele morreu, eu falei, eu sabia. Morreu mesmo. Ta lá. Tá morto.
Uma mulher que estava ao meu lado no banco se levanta e coloca a mão no meu ombro.
- Não ligue pra ele. Está sofrendo de um trauma.
Fiquei aliviado, pelo menos alguém mais sabia o que estava acontecendo. Voltei para sentar na minha cadeira, mas meu corpo congelou completamente. Minha vóz não saia. Fiquei paralizado.
A mulher tinha um machado enfiado nas costas. Os ossos estavam saltando para fora e dava para ver claramente seu pulmão perfurado. O homem gritando – Tá morto. Não Falei. – Apontava desesperadamente para o chão. A mulher sorria pra mim como se fosse normal e disse:
- Ele matava as pessoas nos ônibus a noite. Somos seus passageiros. Ele sempre vai ficar ali mostrando suas vitimas.
Apavorado, pensando em tudo isso eu abri a minha camisa e vi a ponta de um machado atravessada no meu peito.
Agora estava tudo claro. Todos os passageiros estavam mortos. E eu olhava para aquele homem e assistia sua penitência.
Ele estava Condenado a ficar com suas vitimas eternamente.
- Eu falei... Tá morto! Não falei? Morreu, morreu, morreu mesmo. Eu vi. Falei...
Autor: Adriano Siqueira
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