Por Adriano Siqueira
Meu nome é Fabiano Fonseca, sou pediatra, um psicólogo para crianças. O que se
segue nas linhas abaixo é um relato que, posso garantir, será o meu último.
Tudo começou quando uma mulher de nome Estefânia, de 30 anos, entrou no meu
consultório dizendo que estava tendo problemas com seus dois filhos: Abílio
França , e Arnaldo França.
─ Doutor! Eu não sei mais o que fazer. Há alguns meses estou querendo resolver
este problema. É sobre os meus filhos, Abílio, têm 6 anos e Arnaldo, 11.
Ultimamente eles estão brigando muito.
─ Acalme-se senhora! Tenho certeza que juntos, poderemos resolver este
problema.
─ São os brinquedos Doutor. Abílio, o mais novo destrói os brinquedos que dou
para o Arnaldo. Ele não suporta ter brinquedos menores do que seu irmão. Ele
fica revoltado com isso.
─ E o que o pai das crianças diz sobre este assunto?
─ Eu sou viúva.
─ Sinto muito.
─ Ele morreu um ano depois do nascimento do Abílio.
─ E qual foi o brinquedo que a senhora deu para que o Abílio ficasse irritado
com seu irmão?
─ Aviões. Dei uma miniatura de avião de para montar para o Arnaldo e um
pequeno, de plástico para o mais novo. Não demorou muito para que o Abílio
usasse o avião dele como ferramenta para destruir o avião do irmão mais velho.
Pensei por algum momento no desastre que passou nestes dias na TV. Uma
tragédia, com as mesmas proporções. Um avião pequeno, que deliberadamente ficou
na mesma rota de um maior, causando um dos maiores acidentes deste país, mas logo
voltei ao dialogo.
─ Senhora, vamos fazer o seguinte. Dá próxima vez que der outro brinquedo para
as crianças dê o melhor que possa comprar conforme a sua faixa etária e
explique que os presentes são os melhores conforme a idade que eles têm. Diga
também que seu amor é igual para os dois.
─ Obrigado doutor. Seguirei as suas instruções.
Era um problema praticamente comum. Sempre existia esta rincha com os filhos
mais velhos. Os mais novos faziam isso para ter mais atenção da mãe. Ainda mais
sem a presença do pai. Era importante que ela mostrasse amor pelos dois em
igual potência.
Na semana seguinte, ela voltou ao meu consultório.
─ Doutor! Aconteceu de novo. Dessa vez eu comprei dois barcos. E embora eles
sejam os melhores para cada idade o Abílio queria o presente do Arnaldo.
─ E qual foi o presente desta vez senhora Estefânia?
─ Bom... Dessa vez eu não quis dar aviões. Sabe... Essas notícias sobre o avião
que caiu, não para de aparecer na TV e eu não queria que as crianças ficassem
impressionadas com toda aquela história. Por isso, desta vez eu dei navios.
─ Navios?
Olhei para o meu lado esquerdo da mesa e vi que um dos jornais que assino e
estava mostrando um acidente com dois navios. Fiquei um pouco intrigado no
momento... Era muita coincidência... Primeiro os aviões e agora navios?
Respirei um pouco... Tomei um gole d`água e continuei a conversa.
─ Talvez a briga deles não seja por causa dos brinquedos. Compre algo que seja
para qualquer idade assim elas deixaram de brigar.
─ Está certo doutor. Vou pensar em algum presente que sirva para qualquer
idade.
Não quis atender mais ninguém naquele dia. Fiquei muito impressionado com as
coincidências dos acidentes e os brinquedos das crianças. Chega a ser
assustador. Este assunto encaixaria perfeitamente nos sites que abordam enigmas
sobrenaturais. Fiquei pensando até na possibilidade de ser escritor de terror.
Na semana seguinte ela retornou e antes que ela entrasse na minha sala
verifiquei os jornais para ver se tinha acontecido alguma tragédia e, para o
meu espanto, tinha acontecido mesmo...
─ O senhor não vai acreditar. Comprei brinquedos iguais para os dois e
novamente Abílio destruiu o presente do Arnaldo.
─ Deixe-me adivinhar senhora Estefânia. A senhora comprou dois trens iguais! E
o Arnaldo destruiu o trem do Arnaldo usando seu próprio trem como ferramenta.
─ Isso mesmo! Como soube!
Peguei o jornal que estava do meu lado esquerdo e mostrei a manchete que
mostrava a colisão de dois trens exatamente iguais. Ela ficou tão impressionada
como eu.
─ Sei que é duro acreditar que isto esteja acontecendo mais preciso ver os seus
filhos.
Ela concordou. E marquei para ir naquela mesma noite.
Logo que cheguei na porta ela saiu correndo para me levar para dentro.
─ Por favor venha depressa! Abílio está com raiva. Está quebrando todos os
brinquedos do irmão.
Rapidamente entrei para acabar com a briga. Eu tinha que acabar com toda aquela
loucura.
Conforme estava indo para o quarto das crianças notei que as luzes de dentro da
casa estavam piscando, notei também um pequeno tremor na casa, causando a queda
de alguns objetos.
O garoto mais velho saiu correndo do quarto e abraçou a sua mãe.
─ Mãe! Não deixa o Abílio quebrá-lo.
─ Calma filho! O doutor está aqui! Ele vai ajudar.
Eu entrei no quarto. Eu vi o Abílio sentado bem no meio de um monte de
brinquedos quebrados. Ele estava com um globo do mundo nas mãos e ficava
batendo com uma pedra.
O tremor aumentava e aos poucos escutava algumas pessoas do lado de fora da
casa, correndo e gritando. A televisão, que ligava e desligava informava algo
sobre vários meteoros caindo na terra e destruindo continentes.
─ Mundo maldito! - A criança gritava. ─ Morra mundo injusto e maldito!
O pânico nas ruas quase me fez esquecer de toda aquele situação e por segundo
pensei em sair dali e correr... Mas correr para onde?
Novamente tentei raciocinar. Como se eu pudesse achar uma lógica em toda aquela
loucura. Precisava de um pouco de tempo que eu sabia que não tinha. Eu agi.
Mais por instinto do que raciocínio, então gritei:
─ Abílio!! Se destruir isso você nunca mais terá um presente.
Abílio parou. Ele ficou segurando a pedra com o braço bem erguido para dar o
seu golpe final. Ele desviou os olhos daquele globo ficou olhando profundamente
nos meus.
─ Eu não quero mais presentes! Não quero mais brinquedos!
─ Mas este você vai querer! Esse presente que vou te dar, ninguém terá igual.
Aos poucos ele foi abaixando o braço e começou a chorar.
Eu me aproximei dele e o abracei.
─ Eu quero ser seu pai Abílio! Eu quero construir junto com você, um novo
mundo.
Ficamos ali abraçados e aos poucos tudo voltou ao normal.
***
Hoje faz um ano que o Abílio mora em minha casa. Afastado da mãe e do irmão
nunca mais ele quebrou nada. Ele é agora um garoto normal. Segue a sua vida
tranquilamente e as vezes, a sua mãe e seu irmão vêm visitá-lo.
Ouço alguém bater na porta e como a minha secretária tinha saído para almoçar
eu atendi. Era o Arnaldo. Irmão do Abílio.
─ Olá Arnaldo! Não esperava a sua visita.
─ Vim agradecer pelo que fez.
─ Sente-se!
Arnaldo se sentou na cadeira bem ao lado de alguns brinquedos que deixo no
consultório para as crianças brincarem. Ele ficou olhando um pouco os
brinquedos enquanto falava comigo.
─ Fiquei muito contente por estar cuidando do meu irmão. Ele era mesmo um
problema.
Fiquei ouvindo o que ele dizia.
─ Na verdade ele só queria um pai.
─ Certamente! Era isso mesmo que ele precisava.
Arnaldo pegou um homenzinho e um carinho. Colocou o homenzinho na mesa e ficou
brincando com o carrinho de um lado para o outro.
─ E eu queria um quarto só para mim e a completa atenção da minha mãe.
Eu fiquei indagado com a sua resposta. E senti um calafrio.
─ Você não ama seu irmão? Não o queria no seu quarto.
─ Eu sou especial Dr. Fabiano. Muito especial.
Arnaldo direcionou o carro em direção ao boneco e acertou o boneco em cheio.
Escutei em seguida o som de uma brecada violenta na rua e corri para a janela e
vi um homem atropelado e muitas pessoas gritando. Arnaldo continuava falando.
─ Ele poderia me atrapalhar no futuro. Ele era o único que sabia de tudo. E
agora... O senhor também sabe! Mas não irá fazer nada não é?
Fiquei olhando Arnaldo completamente impotente. Ele se levantou e foi em
direção a porta. Novamente parou e me olhou.
─ Afinal... Este é mesmo um mundo injusto e maldito.
"Get out of my way
Just Step aside
Or pay the price"
Problem Child - AC/DC
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