A Caixa
História e ilustrações
por: Katia Andrade.
Todos os dias o barulho da porta sons vindo da escada, um barulho insistente que aumenta sua ansiedade. A chave vira uma, duas vezes e tlac a porta fora aberta mais barulhos... Nessas horas, Camila fecha os olhos e faz todos os caminhos mentalmente.
A luz invade seu espaço, aperta os olhos acostumando-os com a claridade, olhos bondosos cruzam com os seus duas vezes ao dia, um para a limpeza e outro para a alimentação.
Mama é breve, fala pouco e quase nunca lhe dirige o olhar... Camila, se ressente e passa a maior parte do tempo enfurecida, procura não demonstrar evita o choro de lamentos, só que nem sempre o consegue. O mundo lá fora faz barulho e está tão perto, mas inalcançável para Camila, que vive naquela caixa pequena e escura.
Uma garrafa contendo um líquido grosso lhe é ofertada, toma sem questionar, uma sensação de estar sendo preenchida e fortalecida, Camila tem seus sentidos apurados, ouve passos, miados e uma bicicleta na rua fica um bom tempo assim até adormecer novamente.
Todos os dias, mama vai até Camila pela manhã ainda adormecida a limpa e no início da noite retorna com Camila já desperta! Algumas vezes tenta se comunicar, sem sucesso: __ Mama? Olha para mim por favor, eu quero sair daqui... Mama?
Indiferente aos clamores de Camila, vira-lhe o rosto e a manda dormir.
__Durma, Camila, durma!
Nesta noite Camila chora, não um choro alto, mas um lamento. Entristecida ouve risadas lá fora, e tudo que tem é aquela caixa... sente frio.
Amanhece, um dia ensolarado de domingo, crianças voltam da igreja Santa Dolores, arrecadam prendas pelo bairro para a festa de outono que se aproxima. Elisa e Renato, batem palmas na casa 108, uma velha senhora com um vestido roxo batido os atende, não fora educada e nem se deu o trabalho de ser agradável, Mama não os ajuda com as prendas e os dispensa furiosamente.
__Não queremos nada! Vão embora, saiam da nossa casa. Os jovens saem assustados de encontro a um outro grupo que os observa e um dos membros, Rafael relata o que ouvira daquela senhora.
__ Dona Lourdes, essa senhora não frequenta a igreja e não conversa com ninguém, ouvi dizer que os gatos somem á anos da vizinhança e que ela os mata! __ certo dia escutei um choro, me parecia de menina não sei, essa velha me dá arrepios!
Elisa franze as sobrancelhas não acreditando nem um pouco naquela história, mas a sua curiosidade foi aguçada pelo pouco que notara no quintal limpo, ervas dispostas em um quintal cuidadosamente feito para isso, gaiolas ao lado de fora vazia, e uma velha senhora estranha com um ar sombrio sobre ela. Elisa decide saber mais, conta com a ajuda de seu amigo Renato e juntos combinam de voltar mais tarde para assim descobrirem o que se passa naquele lugar.
Anoitece e eles caminham decididos tomando uma rua diferente das que tinham vindo pela manhã, a casa fica numa esquina composta por uma muro alto para fugir de olhares curiosos, a casa era antiga e não chamava muito atenção, a não ser que se parasse para olhar com calma.
Encostados no muro, tentam ouvir qualquer coisa que vinha de dentro daquele quintal, ouvia-se apenas gatos muitos deles, Elisa põe as palmas das mãos no muro com a testa encostada, fecha os olhos e se concentra nos barulhos, passa a ter uma sensação estranha de sufocamento e diz para Renato que eles não encontrariam nada.
Ficam quietos e frustrados, a rua esta silenciosa e um som chama a atenção de Elisa.
Dentro da casa, Mama alimenta seus gatos a fim de os deixar sempre saudáveis, Camila já desperta faz seu exercício mental, prestando atenção em tudo fora de sua caixa, ouve Mama que está próxima, descendo a escada, pondo a chave e enfim a caixa. Camila, a olha com raiva toma seu alimento avidamente e mentalmente diz que a odeia. Mama, se assusta por ter ouvido as palavras da filha em sua cabeça, cai para traz se levanta e fecha apressadamente a caixa com medo do olhar de sua filha.
Camila decidida a escapar de sua prisão foca ainda mais seus pensamentos, ouve cada barulho que se passa do lado de fora da casa, seus olhos tremem freneticamente sua respiração se torna mais calma... até que abre os olhos e pede ajuda.
__Me tirem daqui!
Do outro lado do muro.
__Ouviu isso, Renato?
__Sim! Eu ouvi!
Os dois se olham desconcertados, algo irreal acabara de acontecer escutaram um pedido de socorro. Andam até a frente do portão, a fim de ver como fariam para entrar, está fechado então decidem se arriscar pulando o portão.
Pulam sem muitas dificuldades, andando vagarosamente, prestam atenção a tudo, logo a frente alguns degraus uma porta ao seu lado uma janela está fechada e contém cortinas não dá para saber o que tem, e quem está lá dentro. Renato, abre a porta e solta a respiração que estava segurando, percebe que não tem ninguém na sala, há gaiolas com gatos dentro espalhadas, eles parecem quase selvagens, ao lado direito notam uma porta, logo a frente um quarto ao lado um corredor com uma porta fechada e outra que dava para o banheiro, arriscam a entrar pela porta que está fechada.
Ao entrar notam a parede um amarelo envelhecido, uma cama de solteiro, guarda-roupa e ursos de pelúcia, um quarto infantil... foram para debaixo da cama para aguardar algum sinal, afinal não sabiam o que fazer ou para onde ir.
Os minutos se passam e a ouvem Camila novamente:
__ Mama, carrega nas mãos um cordão de contas preta contendo duas chaves, uma que abre a porta para o porão e a outra para abrir a caixa, ela as pendura em algum lugar na parede, esperem ela subir, quando for se lavar vocês pegam a chave, descem para o porão e abram a caixa. Não esperem por mim, e nem olhem para traz, saiam o mais rápido que puder, caso contrário ela irá pegar vocês.
Aguardam ansiosos, ouvem passos, são passos subindo as escadas e depois a porta sendo trancada., quietos, prestam atenção aguardando pelo barulho do chuveiro, assim que ouvem saem do quarto deixando a porta aberta, correm com os olhos a procura das chaves a encontram na parede ao lado da porta do porão, sem pestanejar, Renato abre a porta sentem um calafrio e um medo latente.
Descem as escadas com medo de serem pegos, notam aquele espaço, obscuro com um cheiro forte de água sanitária, percebem que a caixa lembra mais um baú de madeira cor de mogno reforçada, sem demora colocam a chave, uma duas voltas e está aberta, Elisa segura a mão de Renato e diz: __ vamos, já a abrimos, está livre, vamos logo e não olha para traz!
Segurando nas mãos um do outro, Elisa olha para traz correm intensamente a escada, já não se importam com o barulho que fazem, esquecem de fechar a porta da sala e pulam o portão ofegantes e suados, olham-se um para o outro e só desejam não estarem mais naquele lugar.
Mama acaba o banho pensativa sentindo um aperto no peito, preocupada decide procurar seu velho amigo, o Padre Rubem. Ele de certo a orientaria, a dar um fim nisso tudo.
Com seus pensamento mórbidos e inquietantes ouve um barulho vindo da casa, se apressa e sai do banheiro, estagna ao ver uma claridade vindo da sala, corre para a sala olha para a porta que dá para o porão e suspira de alívio ao constatá-la fechada, sente arrepios ao ver a porta da sala aberta, os gatos não estavam mais em suas gaiolas! __ Será que um desses jovens entraram e soltaram os bichos? Pensa para si mesmo, achando tudo aquilo muito estranho.
Volta o olhar para o corredor e nota a porta que nunca abria. O quarto de sua filha estava aberto, preocupada sente sua respiração se alterar, vê os bichanos espalhados pelo quarto e para o seu horror, Camila, acariciava uma gato em seu colo, com um vestido verde menta de bolinhas brancas, seus cabelos negros caem feito um véu noturno com olhos diabólico e um sorriso divino.
__ Camila, é perigoso você estar aqui, vou te levar para sua caixa. Como saiu de lá? Procura não a olhar nos olhos, mas Camila já a encarava., seu olhar azul como um céu cinza de inverno dizia muitas coisas...
Mama não conseguia abandonar aquele olhar.
__Mama, estou com fome, tanta fome...
__ Camila, minha filha, vou cuidar de você, irei procurar o Padre Rubem e vamos te deixar mais confortável! você verá.
Camila a olha demoradamente. __ Não Mama, você não irá a lugar algum e nem irá falar com padre nenhum. Confortável? Eu?
Ri de forma maldosa.
Uma lágrima escorre do rosto de mama. Camila, as seca com suas mãos frias e delicadas abraça a mãe com seu corpo magro, a imobiliza em seu abraço cravando seus dentes em seu pescoço, suga seu sangue avidamente se deliciando com cada gota que há em seu corpo. Já em seu colo ,mama quase sem vida lhe dirige um último olhar lhe dando seu último sopro de vida.
Camila limpa a boca ensanguentada recebendo mais cor a sua face pálida, sorri e diz:
__ Elisa, estou chegando!
@katia.o.s.andrade
