sábado, 11 de outubro de 2014

Vem a nós - Literatura Noir



Vem a nós

Literatura Noir
por Adriano Siqueira



Um escritório de advocacia. Eu só venho a esses lugares quando a sacristia está fechada. Afinal, o bispo não gosta de me ver ouvindo confissões de moribundos, onde a paciência nestes lugares é minha maior virtude. Mas mando realmente o Bispo se ferrar. Ele que vive assistindo nas TVs pagas, programas pornográficos e fica se masturbando em frente da TV como se fosse um adolescente. Como se eu não soubesse.

Um padre como eu já conhece esse mundo com a sua bebedeira e seus vícios. Isso não é novidade pra mim. Sei que quando uma mulher me olha, acha que sou um cara com impotência, com medo, etc. Elas não sabem que me masturbo como todos os homens comuns, nem passam pela cabeça delas que já trepei com várias. Afinal, vem muita mulher no confessionário e ninguém fica assistindo mesmo o que faço. E se chegar a ver eu digo: Deus te abençoe.

Enfim, estou nesta espelunca porque um moribundo me implorou pra verificar o demônio que estava aqui.

Eu ria dá sua ignorância... Um demônio só poderia ser um advogado... Mas esse não era o caso. De algum modo acreditei no infeliz, acreditei no seu relato que assustou até a mim. Algo sobre a história de um demônio que guardava almas e não as mandava para o inferno... nem para o céu.

Já li isso, nos meu estudos na sacristia. Um amigo meu que era padre também me falava muito dessa história. Era papo de padres bêbados, enquanto eles tinham relações sexuais com o bispo, trocavam idéias sobre isso. Era nojento pensar que o bispo trepava com ele. Mas eu engolia tudo sem perguntar. Afinal todos achavam que a igreja era um lugar sagrado, por que eu iria abrir o jogo? Deixava assim mesmo afinal vivemos em um mundo podre.

Abri a porta do escritório. O cara tinha um lugar requintado completamente diferente daquele quarto úmido e cheio de gosma verde pelos cantos que era o meu.

─ Padre Joe. Que prazer, sente-se. Parece que finalmente os boatos sobre minha existência o trouxeram aqui.

─ Não estou aqui para falar nada moço. Apenas estou observando seus caprichos de luxúria e materialismo, desnecessário para o nosso Deus todo poderoso.

─ Hahahaha! Padre Joe. A quem tenta enganar? Sei dos seus gostos e dos seus modos. O Senhor é um padre bem atarefado... com suas prostitutas ocupadas a noite, confessando-se ao senhor. Vejo que elas metem a boca no senhor literalmente. Deve ter muito trabalho para perdoá-las não?

Fiquei paralisado como uma estátua em que os pombos cagam por cima, sem poder se mexer. O cara sabia de tudo e eu então não tinha mais dúvidas do que ele era.

─ O que sabe sobre as almas perdidas?

─ Quer charutos Padre Joe?

Eu recusei. Uma pena. Fazia tempo que não fumava um bom charuto. Lembro-me que ficava vendo bundas na fumaça e brincava, enfiando o charuto entre elas. Perversões de um moribundo padre que ainda gosta de sentir prazer.

Quando o Advogado colocou o charuto na boca e sugou a fumaça os gritos surgiram de uma forma insuportável. Eu cambaleava pelo chão colocando as mãos nos ouvidos, tentando acabar com aquele berreiro todo. Eu via sombras passeando por todo aquele local. O advogado chegava perto e me olhava satisfeito como se não estivesse ouvindo os gritos que estavam me deixando louco. Ele sorria e baforava na minha cara. Eu estava surdo não ouvia a voz dele. Apenas os gritos. Ele apagou o charuto no chão e os gritos terminaram.

─ Não vá me perguntar bobagens padre... É isso mesmo que eu fiz. As almas estão presas no charuto, e é um prazer destruí-las. Deveria experimentar. Seu amigo padre durou menos. Enlouquecido, ele se jogou pela janela. Porém foi apenas à primeira tragada. Então padre? Vai agora querer um charuto?

Eu peguei a caixa, arrombei a porta e corri... Corri como louco, sem olhar para os lados.

Ele estava atrás de mim, me observando por cada beco que eu entrava. Sabia que uma hora eu teria que parar. As bebidas deixaram minhas pernas moles e meu corpo cansado. Que bom se isso fosse uma piada... Almas no charuto. Quem iria acreditar. O bispo iria me trancar no manicômio. As prostitutas iriam sentir a minha falta.

Eu já não tinha mais fôlego. Ele iria aparecer e eu estava cansado. Sentei no chão esperando meu fim. E que fosse rápido. Pois já estava com vontade de tomar outra vodca. Que se dane essa droga de caixa. Correndo por causa de almas que sei lá de quem são. Afinal já estavam até esquecidos. O que eu tenho com isso?

Uma criança me pede a caixa. O advogado grita de longe.

─ Não faça isso Joe... Não até ver minhas ofertas.

A criança vendo que eu fiquei parado pensando no que aquele advogado poderia me ajudar, arranca então a caixa da minha mão e desaparece.

O demônio chega ao meu lado e fica olhando a criança seguir rumo ao céu.

─ Mas que droga Joe. Eram os meus melhores charutos.

Então, eu olho para a rua e sigo para a igreja, para finalmente acabar com isso de vez, tomando minha vida moribunda de volta novamente.

─ Hei Joe. Que tal uma vodca? Conheço um bom lugar... De classe. Lá você vai poder desfrutar umas garotas mais sofisticadas.

Eu paro por uns instantes olho para aquela figura toda confiante. Dou um sorriso.

─ Eu topo.

2 comentários:

Suzy disse...

Gostei do conto e do blog!

Beijos! E tudo de bom no seu trabalho!

Tânia Souza disse...

que insanamente bem escrito, gostei