quarta-feira, 22 de abril de 2020

Conto - Atrasado de novo




Atrasado de Novo
Por : Lord Dragon
@Lorde.dragon

Acabei de vestir camisa social. Lustrei os sapatos, agora estão renovados. Passei um bom perfume e tratei de cuidar dos dentes e o hálito. Quase onze horas, ainda em tempo. Conferi as mensagens no Whatsapp, que pessoal desocupado neste grupo.

Saindo de casa respiro as fragrâncias noturnas. No relógio, mais de onze e vinte. Pensei que fosse terminar de me ajeitar mais cedo. Talvez dê tempo, preciso resolver o assunto do estómago. As tripas clamam por alimento. Caio ao esbarrar em alguém. 

Levanto-me aturdido pelo incômodo. Ao girar os calcanhares a visão estreita as artérias. Cordialmente, me desculpo. A bela moça ajeita as claras madeixas e devolve o sorriso. A envolvo numa simulada timidez e acaricio suas mãos. Sem aviso, alterno a voz e a embriago com doces frases. Dou um assopro sutil no ombro delicado e afundo as presas.

Tomo do rubro néctar da juventude, a deixo em espasmos extásicos. Quando a dor surge, antes dela gritar tampo seus lábios e a deixo enevoada, rumo ao sono final. Levanto em frenesi, espalho gotas desse mel divino no solo. Levo-a ao cemitério, jogo-a numa das covas abertas junto a uma rosa. Despeço-me com um beijo aéreo, cubro o jazigo com a terra, a qual, preparei pra ocasiões como esta.

Saciei a fome e arruinei os trajes. O aroma do sangue impregnado mas roupas. Gastei uns vinte minutos na sedução daquela moça, e outros quinze pra encobrir o crime, pelos meus cálculos. Necessito de um novo banho, urgente. Durante o percurso, meu coração aperta. Nada de remorso, apenas outra diversão.

Mulheres solitárias são a preferência. Desavisadas, as inebrio com charme ou suposta inocência, às vezes anjo e noutras, um cafajeste demoníaco. Analiso as vítimas de forma superficial, são ótimas pra  lanche rápido. Melhores, entretanto, as difíceis e complexas. Tê-las, ergue meu ego e delicia a existência. 

Desta vez um casal, aprecio essa modalidade mo jogo. Finjo interesses em comum, nem sempre é fácil. Odeio algumas modas, determinados estilos de música e certas ideologias. Preciso dissimular com perfeição. Apesar de tudo, acabo me divertindo. Tive notáveis lições com os mestres, com o casal que me transformou nessa criatura profana, capaz de trascender os tempos.

Como sedutor das trevas, posso encantar também aos homens, embora não faça que nem alguns colegas da profissão, envolvendo-os sexualmente. Sou hétero, sangue masculino apenas como alimento, nada mais, os mato de a vez. E às mulheres, o sublime prazer.

Inicio a conversa com o sujeito, fingindo tê-lo visto antes. O abraço como a um velho amigo. Simulo vergonha pelo equívoco, dou um passo atrás e em risos, peço desculpas. Essa abordagem desarma o alvo secundário, e me deixa mais à vontade com a garota. Ignoro o relógio por ora, que meus colegas esperem um pouco mais. Explico que seu rosto me confundiu, e logo gargalhamos. Os convido a caminharem e claro, utilizam desculpas pra se livrarem de mim, da forma mais educada possível. Despeço-me e os sigo, e notarem minha presença. 

Aguardo se separarem. Ataco o sujeito em um golpe voraz, arranco sua garganta e o seco em segundos. A noite ficará mais doce ainda. Localizo a garota sozinha em casa. Graças às habilidades de predador noturno, emulo a voz de seu amado. A moça gira a maçaneta, a permito observar-me e responder-lhe um "Olá!". Puxo-a s conter-me nem mais um minuto. As presas encharcadas no viciante néctar, doce e ferroso. Fecho suas pálpebras.

Desta vez, guardei as duas vítimas num armário da residência da falecida. Joguei todas as roupas no chão. Busquei querosene e espalhei por toda parte. Liguei o isqueiro e o larguei. Corri, enquanto as chamas passaram a lamber toda a moradia.

Ao longe, uma explosão encerra todo o crime. Sinto-me cansado e satisfeito. Retorno pro meu refúgio. Roupas estragadas, creio ter exagerado. Dispo-me, acaricio meu valoroso corpo imortal. Permito-me demorar no chuveiro. Amo água gelada, excelente na manutenção do humor. Elimino o cansaço e restabeleço as forças.

O relógio marca meia noite e cinquenta. No Whatsapp, quinhentas e tantas mensagems. Na maioria delas, questionam onde estou. Eles já se acostumaram com os atrasos, contudo, por algum motivo, estão insistentes demais. Respondo apenas que estou a caminho. 

Visto algo menos formal, jeans e camiseta. Programo-me a ir pro encontro, sem distrações ou banquetes. Quase uma da manhã, o pessoal vai querer minha cabeça numa tigela.

Afastado do centro badalado, encontrei a turma. Depois de séculos, é bom termos companhia, a imortalidade pode ser tediosa. Criaturas sanguinárias costumam apreciar conversas descontraídas com seus iguais. A maioria trajada de preto, inclusive a bela dama encostada na árvore, lendo o seu "Bram Stoker". Rio da fantasia gerada nestas tramas vampíricas, alguns acertam em determinadas coisas, e outros passam bem longe.

Lembrei de trazer a rosa negra à dama, na qual almejo cortejar. Até hoje, por alguma razão ou força desconhecida, sou impelido. Como se me achasse indigno perante sua majestade. Nunca ocorreu antes com qualquer outra moça. Talvez, esteja enfeiçado por ela.


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